Tempestade de fogo
Apelidado de "Segundo Grande Incêndio de Londres" (por as suas dimensões lembrarem o Grande Incêndio de Londres de 1666), recordamo-lo a propósito da passagem dos 80 anos sobre o fim da II Guerra Mundial. Contextualizando, de 7 de Setembro de 1940 a 10 de Maio de 1941, sucederam-se 57 noites de bombardeamentos por parte da força aérea alemã contra a Grã-Bretanha, com vista à sua rendição: a temerosa campanha Blitz. Porém, foi em 29 de Dezembro de 1940 que ocorreu a maior ofensiva e, por conseguinte, o mais devastador incêndio. Durante todo o seu período, a Blitz causou danos nefastos em Londres e noutras principais cidades, mas, surpreendentemente, não afectou o moral dos ingleses. Um exemplo de resiliência para a humanidade.

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sexta-feira, 27 de junho de 2025

O PR Mário Soares e a problemática dos bombeiros

Pesquisa/Texto: Redacção F&H
Fotos: Arquivo F&H

Uns mais participativos do que outros, dispensaram sempre, contudo, atenção à missão dos bombeiros portugueses. Referimo-nos aos sucessivos Presidentes da República, todos eles respaldados pelo papel político previsto no respectivo quadro de poderes.
Mário Soares (1924-2017), cuja evocação do centenário do seu nascimento decorre desde o final do ano passado, destacou-se na análise dos problemas dos bombeiros e fez ouvir a sua voz de protesto.




Sem contar com presidências abertas, foram várias as ocasiões em que o Presidente da República Mário Soares esteve próximo dos bombeiros, testemunhando-lhes apreço e reconhecimento. Eram, quanto a si, "homens bons e abnegados para quem a coragem e a dedicação ao próximo não são palavras vãs".

E isso não se verificou apenas quando da passagem de acontecimentos de assinalável relevo para os quais foi convidado no âmbito da vida das associações e corpos de bombeiros, designadamente, celebrações de centenários e inaugurações de quartéis, registou-se também durante algumas das mais impressionantes catástrofes que assolaram o país.

A memória colectiva retém a sua presença nos acidentes ferroviários de Alcafache e de Póvoa de Santa Iria, por ocasião de violentos incêndios florestais que atingiram fatalmente bombeiros e no grande incêndio do Chiado.

Ficou célebre, pela cobertura mediática, a visita efectuada aos Bombeiros Voluntários Portuenses, pois pousou para a posteridade ao volante de um antigo pronto-socorro e colocou na cabeça um reluzente capacete.

Em congressos dos bombeiros compareceu duas vezes.

Suportado na sua sólida formação humanista, defendeu em todo o tempo o que lhe pareciam ser as melhores políticas para o sector dos bombeiros.

Empossado no dia 9 de Março de 1986, presidiu a 5 de Outubro do mesmo ano à sessão de encerramento e ao desfile apeado e motorizado do XXVII Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, realizado em Cascais.

"(...) urge modernizar as condições de trabalho dos bombeiros, dotá-los de equipamentos eficazes e dignificar a sua função profissional e social", disse Mário Soares aos congressistas, no Teatro Gil Vicente, onde teve lugar a reunião magna, sancionando as suas exigências. "Muito há fazer", enfatizou, nomeadamente, "em áreas tão importantes e sensíveis como a formação profissional, a melhoria do estatuto social do bombeiro e a modernização e aperfeiçoamento das estruturas operacionais dos respectivos corpos". Tudo isto porque, e fez lembrar, "têm exercido missões difícílimas em condições precárias, que já originaram situações trágicas". O Presidente referia-se, sem explicitar, às graves consequências dos incêndios de Armamar e Águeda.





Recados do Presidente

Cerca de dois anos depois, a 25 de Setembro de 1988, foi a vez de Mário Soares acompanhar o XXVIII Congresso, em Barcelos, presidindo apenas ao desfile, devido a outro compromisso oficial. Na verdade, naquela data, regressou expressamente de Paris, porquanto não queria deixar de estar presente no evento. Tomou um avião especial com destino ao então denominado Aeroporto de Pedras Rubras e daí seguiu de imediato, através de helicóptero da Força Aérea Portuguesa, para a cidade minhota, capital temporária dos bombeiros portugueses.

Antes, porém, o mais alto dignatário da nação entendeu ir mais longe. Dirigiu uma missiva aos congressistas, a fim de ser lida na derradeira sessão, contendo palavras incisivas e galvanizantes, traço caracterizador da consciência de estadista.

"Apesar do que tem sido feito na construção de novos quartéis de bombeiros por todo o país, é chegada a hora de encarar com maior determinação situações de carência de meios com que continuam em tantos casos a defrontar-se, de forma a resolvê-los gradualmente dotando-os de uma cada vez maior capacidade de intervenção" - escreveu o Chefe de Estado.

Na época, existiam cinco questões fundamentais que os bombeiros queriam ver resolvidas: garantir a transferência atempada, para as associações de bombeiros, das verbas arrecadadas pelo Instituto de Seguros de Portugal e distribuídas pelas câmaras municipais; revogar as normas de carácter restritivo aplicáveis à comparticipação do Estado em obras de quartéis de bombeiros; isentar as associações de bombeiros do pagamento de Imposto de Capitais; manter a concessão de benefícios e isenções às associações de bombeiros, em sede do novo Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, considerando, nos termos de anterior legislação, os seus fins não lucrativos; rever, percentualmente, a tabela de preços inerente ao acordo estabelecido entre a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários e a Liga dos Bombeiros Portugueses, versando o transporte de doentes em ambulância.

Os assuntos acima referidos mereceram ampla discussão por parte dos participantes no congresso, tendo os mesmos escutado ainda, na recta final da jornada, o seguinte discurso de Mário Soares, em tom de crítica ao Governo: 

"O desenvolvimento e a modernização da sociedade portuguesa terá de ter consequências e reflexos na própria modernização das condições, meios e equipamentos que os bombeiros necessitam. Temos que aprofundar o diálogo e a cooperação entre as diversas entidades responsáveis pela prevenção e pela protecção civil."





Atento ao VI Centenário

Mais tarde, em Dezembro de 1994, nas vésperas das Comemorações dos 600 Anos dos Bombeiros Portugueses, o Presidente teve nova oportunidade de se exprimir ao sector depondo na Revista do Serviço Nacional de Bombeiros.

"Associo-me, com muito gosto, ao VI Centenário dos Bombeiros Portugueses, efeméride que deve ser assinalada como merece, dados os relevantes, humanitários e patrióticos serviços prestados pelos Bombeiros."

Assim começa a mensagem de saudação de Mário Soares aos bombeiros, em nome de Portugal, onde enaltece as suas qualidades cívicas e lhes expressa o respeito e a gratidão de todos os portugueses.

Não tendo participado em qualquer um dos pontos altos dos festejos, o Presidente aproveitou a circunstância para fazer uma breve reflexão sobre os condicionalismos comportamentais da sociedade e o modus operandi dos bombeiros, contextualização didáctica e actual:

"Num tempo em que parece, tantas vezes, que apenas o egoísmo, o consumismo e o economicismo norteiam a vida é consolador saber que há muitas pessoas, de todas as idades, que, com espírito de missão e sacrifício, dedicam o seu tempo às nobres causas da solidariedade para com o próximo e ao serviço desinteressado da comunidade."

Mário Alberto Nobre Lopes Soares nasceu a 7 de Dezembro de 1924, sendo reconhecidas, historicamente, na sua personalidade, conforme documentam as citações reproduzidas no presente artigo, qualidades como a intemporalidade do pensamento e a defesa dos valores em que acreditava.



Nas imagens: 

Mário Soares em dois momentos distintos da sua presença no XXVII Congresso Nacional dos Bombeiros Portugueses, em Cascais, a 5 de Outubro de 1986.