TRIBUTO - A presente imagem foi captada em Albergaria-a-Velha, no ano de 1969, e apresenta uma extensa e briosa formatura dos "BDA", Bombeiros do Distrito de Aveiro. Ao centro, vê-se o Governador Civil, Francisco Vale Guimarães, acompanhado do então Comandante dos Bombeiros Voluntários locais, José António Laranjeira, que mais tarde veio a ser Presidente do Serviço Nacional de Bombeiros. Através desta memória fotográfica, FOGO & HISTÓRIA presta simbólica homenagem a todos os BOMBEIROS PORTUGUESES que entre 15 e 19 de Setembro último foram mobilizados para combater os incêndios florestais que lavraram nas regiões Norte e Centro do país. De igual modo, evoca todos aqueles cuja vida o fogo ceifou, com destaque, por compreensíveis razões, para os quatro bombeiros atingidos no cumprimento da sua missão: João Silva, de São Mamede de Infesta, e Paulo Santos, Susana Carvalho e Sónia Melo, de Vila Nova de Oliveirinha.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

1992: Relação franca e leal entre Governo e Bombeiros

Pesquisa/Texto: Redacção F&H
Fotos: Arquivo F&H

Em 4 de Janeiro de 1992, realizou-se na Figueira da Foz, por iniciativa do Ministério da Administração Interna (MAI), uma ampla jornada de trabalho subordinada ao tema "Os Bombeiros e os Fogos Florestais".
Revelando enorme coragem, foi a primeira vez que um elenco ministerial com a tutela dos Bombeiros entendeu levar a efeito um encontro de reflexão tendo como público-alvo os representantes dos destinatários da sua acção política.



O glamouroso Casino da Figueira serviu de pano de fundo à reunião, inédita por completo.

Contabilizaram-se cerca de mil presenças, compreendendo responsáveis do MAI e das estruturas dos Bombeiros - Serviço Nacional de Bombeiros (SNB), Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), Federações Distritais e Regionais e Associações/Corpos de Bombeiros.

Manuel Dias Loureiro era o Ministro da Administração Interna.

Numa atitude inteligente e responsável, o governante adoptou como premissa que o sucesso das políticas para o sector dos Bombeiros dependia do envolvimento destes, chamando-os à participação em tudo o que lhes dissesse respeito. E assim aconteceu, ao ouvir todos aqueles que na época detinham competência de representação.

"Foi para isso que vos dirigi este convite. Vim ouvir tudo e a todos com atenção, com certeza antecipada de que quanto aqui for dito será tido em conta na definição das metas e da estratégia a adoptar" - afirmou o Ministro.

No seu longo discurso, seguido por toda a assistência com natural expectativa, Dias Loureiro produziu um conjunto de pertinentes considerações acerca da problemática dos fogos florestais, questionando, sem preconceitos, os mais variados aspectos.

"Só assim este encontro será produtivo e portanto útil", disse o titular da pasta da Administração Interna, defensor acérrimo da prevenção, interrogando a dado momento: 

"E a prevenção? É ela ou não a pedra angular em que toda a estratégia deve assentar? E dedicámos já todos os recursos disponíveis à prevenção? Teremos, já ou não, sido rigorosos no planeamento que as acções de prevenção devem respeitar?"

Quanto às matérias de carácter mais específico relacionadas com a actividade dos bombeiros, conhecedor das dificuldades sentidas, Dias Loureiro garantiu o seu empenho e o investimento do Governo em meios materiais e no recrutamento e formação de meios humanos, sem antes reconhecer que "só o vosso esforço enorme tem conseguido suprir ou minimizar tantas dificuldades".

"Soube com a sua intervenção, captar a confiança dos presentes, que foi útil e decisiva para a prossecução dos trabalhos, dando-nos a certeza, de que a partir de agora, os Bombeiros tinham Voz para se fazerem ouvir, através do único órgão com legitimidade para o fazer - a Liga dos Bombeiros Portugueses." Assim escreveu António de Moura e Silva, Director do jornal Bombeiros de Portugal, em editorial, no número de Janeiro de 1992, comentando a prestação do Ministro.



O Ministro Dias Loureiro reconheceu na Figueira da Foz o esforço dos bombeiros e despoletou uma nova era no sector. Na foto, condecorando o Comandante Henrique Salvado Alves, dos Bombeiros Voluntários de Sintra, quando da inauguração do quartel-sede destes, com a Medalha de Serviços Distintos, Grau Ouro, da Liga dos Bombeiros Portugueses


A liderança ao serviço do desempenho

Na presidência da Confederação desde 1989, José Manuel Lourenço Baptista foi a voz que se fez ouvir, a partir do púlpito do Casino da Figueira, em nome da LBP.

"Acicatados, naturalmente, nalguns casos, por um mais apurado sentido crítico em relação à cíclica tragédia dos fogos florestais, no que concerne às suas causas e efeitos; sem inibições ou tibiezas, com a mesma determinação e a frontalidade com que se envolvem em arriscadas acções de socorro ou no incessante combate às chamas, os Bombeiros Portugueses, na sua essência voluntários, organizados em torno da sua Confederação, vêm de há muito pugnando pela conquista de melhores e mais nítidos apoios oficiais, em ordem a aumentarem os seus níveis de operacionalidade."

Estas foram as palavras iniciais do Presidente do vulgarmente designado "CAT", que adiante elencou cinco "grandes questões em aberto", cuja importância do ponto de vista da contextualização histórica justifica que as destaquemos, transcrevendo-as, na íntegra:


- A necessidade de um acentuado esforço pela via das Acções de Prevenção, Vigilância e Detecção, activando decisivamente o funcionamento das CEFF* Distritais e Municipais. 

- Introdução urgente de medidas de rigor nos critérios de contratação e coordenação dos meios aéreos, privilegiando novos conceitos de organização, disciplina e controlo na sua utilização. 
De considerar também que se afigura negativa a contratação de pilotos estrangeiros que não falam a nossa língua.

- Dotações de meios Rádio. Alerta-se para o facto das colunas de apoio que se deslocam para Zonas Operacionais diferentes, sustentarem fortes dificuldades por não disporem da mesma frequência.

- Tipificação dos Corpos de Bombeiros.
Instrumento imprescindível para o adequado dimensionamento dos Corpos de Bombeiros, na estrita perspectiva das necessidades e características das áreas respectivas, tais como a densidade populacional, os acidentados do meio geográfico, os factores de risco, etc.

- Finalmente e como ponto dominante das actuais preocupações de todas as estruturas dos Bombeiros, reclama-se, uma vez mais, que, em conformidade com as posições assumidas sucessivamente, por unanimidade, pelo Conselho Superior de Bombeiros, o orçamento do SNB consagre para 1992 uma rubrica específica para o combate aos Fogos Florestais, de molde a que as verbas consignadas ao apoio regular aos Corpos de Bombeiros não sejam minimamente absorvidas para fazer face àquela calamidade, pois que sendo cíclica e de consequências imprevisíveis, é, no mínimo, inadmissível que com o sistemático recurso a essa perniciosa prática, continuemos a lamentar, como já atrás referi, a confrangedora situação económica e operacional das Associações e Corpos de Bombeiros, injustamente penalizadas com crónicos atrasos nos apoios e subsídios a que legitimamente têm direito e que lhes são rotineiramente pagos com vários meses de atraso.



Lourenço Baptista, Presidente do Conselho Administrativo e Técnico da Liga dos Bombeiros Portugueses, cuja liderança alicerçada na cultura das boas práticas sensibilizou o poder político e estabeleceu uma relação de granjeado respeito, verdadeira potência de soluções para os problemas


"E assim foi, com a intervenção preciosa e brilhante do Presidente do Conselho Administrativo e Técnico da Liga dos Bombeiros Portugueses - José Manuel Baptista - que se seguia no uso da palavra, relatando civilizadamente todos os problemas que atormentam a nossa Causa, pondo-se incondicionalmente ao dispôr, como interlocutor válido, contribuindo para uma melhoria da situação, levando os conhecimentos e a prática de graves problemas que afectam os nossos Corpos de Bombeiros", testemunhou também António de Moura e Silva, na sua coluna mensal, no Bombeiros de Portugal.

Ao tempo, a totalidade dos Corpos de Bombeiros comportava, aproximadamente, 35 mil elementos.

Conforme revelado durante o encontro, em 1991, o número de fogos florestais havia atingido as 22 mil ocorrências, mais 4 mil do que no ano anterior, fazendo exceder, na ordem dos dois terços, a capacidade real dos bombeiros portugueses, estatística complexa que motivou da parte do Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses a seguinte mensagem de sensibilização, dirigida ao Ministro da Administração Interna:

"Desejo terminar a minha intervenção, formulando em nome do Conselho Administrativo e Técnico e de todos os Bombeiros Portugueses, as mais fundadas esperanças de que a franca e rasgada oportunidade desta Jornada de Trabalho proporcionada por V. Exa., tenha como resultados imediatos uma inequívoca atitude do Governo na equação e resolução dos problemas mais prementes que afectam os Bombeiros e as suas estruturas, pois entendemos não deverem ser ignoradas as profundas raízes que têm nas comunidades onde estão inseridos, numa íntima ligação e disponibilidade permanente, e os incomensuráveis e relevantes serviços prestados ao País, como intérpretes do mais puro e fecundo espírito do povo português."

Não será exagero afirmar que a ocasião ficou marcada pela máxima cooperação entre todos os intervenientes, incluindo as dinamizadas Federações de Bombeiros, o que veio permitir ao sector, durante os anos que se seguiram, uma fase de estabilidade e crescimento sem precedentes.

Contribuiu para o efeito, de forma decisiva, o perfil consciencioso e institucionalista da governação e da liderança dos Bombeiros cometida à LBP.

"Respeita se queres ser respeitado." No fundo, recorrendo ao ensinamento proverbial, era esse o princípio prevalecente nas relações, o que marcava a diferença e trazia consequências positivas, o que hoje, de certo modo, não acontece.

Dois anos após a realização da jornada de trabalho, o Serviço Nacional de Bombeiros dava conta de que "o plano de reequipamento dos Corpos de Bombeiros, previsto para 1993, foi cumprido nos seus aspectos mais relevantes". 

Baseado nos critérios da tipificação, o Governo da altura comparticipou a aquisição de mais de uma centena de viaturas e equipamentos, investindo para o efeito um milhão e meio de contos, o que se tornou recorrente.

"(...) nos últimos tempos têm vindo a ser desenvolvidas, ao nível do Serviço de Nacional de Bombeiros, acções que nós consideramos correctas, adequadas e necessárias no sentido do apoio aos bombeiros mais necessitados", reconheceu Lourenço Baptista, em entrevista concedida à revista daquele organismo, congratulando-se com o facto. 

Por seu lado, no domínio dos fogos florestais, a adequação da estratégia de combate teve impacto imediato na redução da área ardida. Contudo, Dias Loureiro afirmaria quando da apresentação de uma das campanhas de fogos florestais: 

"O Estado, as autarquias e os 600 mil proprietários florestais não podem descansar no optimismo dos números. Há muito a fazer no capítulo da prevenção, principalmente num país que tem três milhões de hectares de florestas (...)." 

Falar da Instituição-Bombeiros nos anos 90 do século passado implica, necessariamente, rigorosa referência à jornada de trabalho promovida pelo MAI, enquanto início de um ciclo de viragem.

A dinâmica de futuro ali perspectivada, e que entretanto se apoderou, no melhor sentido, da vida colectiva, criou novas realidades, concluindo-se, segundo até a opinião pública de então, que "o apelo invocado na Figueira da Foz em 4 de Janeiro de 92 para a colaboração Estado-Bombeiros foi ouvido."


PRINCIPAIS INTERVENIENTES NA JORNADA DE TRABALHO
"OS BOMBEIROS E OS FOGOS FLORESTAIS"
Figueira da Foz, 4 de Janeiro de 1992

Ministério da Administração Interna
Ministro - Manuel Dias Loureiro
Secretário de Estado Adjunto do Ministro - Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Secretário de Estado da Administração Interna - Carlos Alberto Silva de Almeida Loureiro

Serviço Nacional de Bombeiros
Presidente - José António da Piedade Laranjeira

Liga dos Bombeiros Portugueses 
Presidente - José Manuel Lourenço Baptista

Federação dos Bombeiros do Algarve
Representante - Vilarim Luís Neves Reis 

Federação dos Bombeiros do Distrito de Aveiro
Presidente - António Manuel Costa Castro

Federação dos Bombeiros do Distrito de Beja
Presidente - José Manuel Simões Prates Dórdio

Federação dos Bombeiros do Distrito de Braga
Presidente - Agostinho Pinto Teixeira

Federação dos Bombeiros do Distrito de Bragança
Representante - António Alberto

Federação dos Bombeiros do Distrito de Castelo Branco
Representante - Miguel Campos

Federação dos Bombeiros do Distrito de Coimbra
Presidente - Jaime Carlos Marta Soares

Federação dos Bombeiros do Distrito de Évora
Presidente - António João dos Santos Félix

Federação dos Bombeiros do Distrito da Guarda
Presidente - Manuel Madeira Grilo

Federação dos Bombeiros do Distrito de Leiria
Presidente - Jacinto Teodósio Ribeiro Pedrosa

Federação dos Bombeiros do Distrito de Santarém
Presidente - Carlos Alberto dos Santos Batista

Federação dos Bombeiros da Região Autónoma da Madeira
Presidente - João Manuel Martins

Federação dos Bombeiros do Distrito de Portalegre
Presidente - António Manuel Manta

Federação dos Bombeiros do Distrito do Porto
Presidente - Amadeu de Castro Pinheiro

Federação dos Bombeiros do Distrito de Lisboa
Presidente - Salvador da Luz

Federação dos Bombeiros do Distrito de Setúbal
Presidente - Jesofredo Serra da Silva

Federação dos Bombeiros do Distrito de Viana do Castelo
Presidente - José Pinheiro Gonçalves

Federação dos Bombeiros do Distrito de Vila Real
Presidente - Rodrigo Félix Nogueira de Carvalho

Federação dos Bombeiros do Distrito de Viseu
Presidente - José Coutinho Requeijo Gouveia



*CEFF - Comissões Especializadas de Fogos Florestais