Incêndio do Chiado, 25 de Agosto de 1988 - Passavam poucos minutos das cinco da manhã quando foi dado o alerta. O fogo teve início na Rua do Ouro, nos Armazéns Grandella. A conjugação de vários factores adversos, com destaque para generalizadas condições de insegurança no espaço físico, fez propagar as chamas aos Armazéns do Chiado e a outros edifícios contíguos, nomeadamente, da Rua do Carmo, da Rua Garrett e da Rua Nova do Almada. | F&H e com RTP Arquivos


Grandes Vultos


GUILHERME COSSOUL

Guilherme Cossoul, Director do Conservatório e Chefe de Orquestra do Real Teatro de S. Carlos, prestigiada figura do meio sociocultural da segunda metade do século XIX, nascido a 22 de Abril de 1828, na capital, é considerado como sendo o pioneiro do voluntariado nos bombeiros portugueses.

Para o facto concorreu a implementação da sua ideia de fundar, em Lisboa, uma companhia de bombeiros voluntários, à semelhança do que ia acontecendo nas mais populosas e activas cidades do estrangeiro, geradoras do risco de incêndio.

O serviço de incêndios, assegurado pelo Corpo de Bombeiros Municipais, revelava-se deficiente em pessoal e material, por indisponibilidade financeira da Câmara, assunto que era motivo de acesa discussão, nomeadamente na farmácia dos irmãos Azevedos, no Rossio, um dos afamados pontos de reunião da sociedade lisboeta.

Com vista a inverter a situação, Cossoul, defensor do voluntariado, e outros notáveis da época que aderiram à ideia, entre os quais o célebre caricaturista Rafael Bordalo Pinheiro, decidiriam lançar-se na organização da Companhia de Voluntários Bombeiros, que mais tarde viria a denominar-se Associação dos Bombeiros Voluntários de Lisboa.

A fundação da companhia ocorreu a 18 de Outubro de 1868, data do seu primeiro exercício, realizado no pátio da Abegoaria Municipal, onde funcionava a Inspecção de Incêndios, dirigida por Carlos José Barreiros, amigo de Guilherme Cossoul.

O comando foi confiado ao maestro, mediante eleição.

A prestação do primeiro serviço verificou-se no dia 22. Tratou-se de uma situação de incêndio, num edifício situado na Travessa da Praia de Santos, onde o corpo activo, sob a orientação de Guilherme Cossoul, recorreu a material do município, em virtude da sua bomba braçal "Flaud" (bomba com chupadores para absorver a água de um manancial exterior, montada sobre veículo rodado, incluindo depósito, também conhecido por caldeira) não se encontrar completa para intervenção.

Em virtude do seu espírito empreendedor e dedicado ao serviço da extinção de incêndios, mereceu da parte do Rei D. Luís I o título de Capitão-Chefe dos bombeiros da freguesia dos Mártires.

Tal era o apego à causa de servir o próximo que, um dia, durante a interpretação da ópera "Africana", esqueceu as obrigações da batuta e, tal como estava vestido - de laço e casaco - correu para o fogo a fim de assumir as funções de comandante.

De resto, um quadro a óleo, pintado pelo marido da cantora Lotti, propriedade da Associação dos Bombeiros Voluntários de Lisboa, regista tal episódio em proporções caricaturais, vendo-se Cossoul no telhado de um prédio, a sair da trapeira, no traje de maestro, regendo a referida ópera com a partitura e a batuta debaixo do braço e na mão a agulheta.

Morreu a 26 de Novembro de 1880.

Os seus restos mortais encontram-se sepultados no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, num vistoso túmulo da autoria do escultor José Simões de Almeida

Na obra "As Farpas Esquecidas", o grande escritor Ramalho Ortigão salienta as qualidades da personalidade versátil de Guilherme Cossoul:

"O enterro de Cossoul, perante o qual o 'António Maria' se descobre respeitosamente, foi uma dessas poucas acções boas que Lisboa pratica de longe em longe. Faz honra aos sentimentos de um povo prestar por tal modo a um simples cidadão os tributos funerários que noutro tempo se não pagavam senão aos príncipes. Cossoul era apenas um artista amável e um trabalhador honrado. A enfermidade de que morreu contraiu-a arriscando como bombeiro voluntário a sua vida pela do seu semelhante. Passava pelo homem mais gracioso de Lisboa e, apesar disso, consta que tinha graça. Seja leve ao seu coração a terra que ele se dedicou a amar."


GUILHERME GOMES FERNANDES

Guilherme Gomes Fernandes nasceu na Baía (Brasil), em 6 de Fevereiro de 1850.

Filho de pais portugueses veio para o nosso país quando tinha três anos.

Viveu no Porto até aos 13, idade com a qual partiu para Inglaterra a fim de frequentar estudos, o que veio a acontecer em Everton e Ascot.

Com 19 anos, já órfão de pai e mãe, regressa à Invicta, onde fixa residência.

Dono de fortuna pessoal e possuidor de elevado leque de conhecimentos, destaca-se na sociedade portuense.

Interessado pela actividade desportiva, nomeadamente a ginástica, alcança vários triunfos nesta modalidade.

Em 1874, conjuntamente com outros ilustres portuenses, retomou o processo de fundação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto (AHBVP), vencendo dificuldades que, até então, haviam penalizado a efectiva existência da instituição.

Remonta 25 de Agosto de 1875 a fundação da AHBVP.

Guilherme Gomes Fernandes viria a ser nomeado Comandante do Corpo de Bombeiros em 11 de Julho de 1877. Até a esta data integrou a corporação como bombeiro, na função de agulheta.

Todo o material colocado ao serviço foi adquirido no estrangeiro, a suas expensas.

Também conhecido pelo seu elevado nível cultural, dominando correctamente o francês, o inglês, o alemão, o italiano e o espanhol, fez várias deslocações ao estrangeiro para se inteirar da mais evoluída organização dos serviços de incêndios, implementando e adaptando novos princípios e métodos no seio da estrutura que comandava.

O seu conhecimento invulgar sobre a "profissão das bombas" e o progresso operado no contexto da mesma, valeu-lhe, em 31 de Dezembro de 1885, ser nomeado Inspector de Incêndios do Porto. Por conseguinte, transitou para a Companhia de Incêndios, posterior Corpo de Salvação Pública, actual Regimento de Sapadores Bombeiros do Porto, assumindo as funções de comandante.

Além da participação portuguesa no Concurso Internacional de Bombeiros, em Vincennes, a 18 de Agosto de 1900, que sob a sua orientação arrebatou o primeiro prémio, a história regista outras notáveis representações em certames semelhantes: Congresso de Londres, 17 de Junho de 1893 (2.º lugar no Concurso de Manobras) e Congresso de Lyon, 5 de Agosto de 1894 (dois dos três prémios em disputa no Concurso Internacional).

Paralelamente, desenvolveu actividade empresarial no ramo de material de combate a incêndios e abraçou o jornalismo.

Pelos relevantes serviços prestados aos bombeiros portuenses, através dos quais primeiramente se notabilizou, e também aos bombeiros de Portugal, cuja acção muito influenciou a sua progressão e projecção a todos os níveis, merecendo por isso o tratamento de "Mestre", o Governo condecorou-o com a Ordem Militar da Torre e Espada.

Possuía também a mais alta condecoração inglesa da National Fire Brigades Union e a medalha de Prata "pour actes de dévouement et belle conduit au feu", do Governo francês.

Morreu a 31 de Outubro de 1902, no Hospital de S. José, em Lisboa, vítima de doença incurável.


Tanto Guilherme Cossoul como Guilherme Gomes Fernandes frequentaram a mesma escola: a escola de instrução e manobras para aspirantes e bombeiros criada por Carlos José Barreiros, Inspector-Geral de Incêndios em Lisboa, outro notável que, numa acção comparável com a do segundo, introduziu uma nova dinâmica na organização a seu cargo.


Pesquisa/Texto: Luís Miguel Baptista