Socorro sobre quatro rodas - O automóvel em Portugal está de parabéns. Faz 130 anos que circulou o primeiro carro de turismo pelas estradas nacionais, um Panhard & Levassor, adquirido na capital francesa pelo Conde Jorge d'Avillez. Tanto a introdução como a generalização do seu uso, nos hábitos dos portugueses, levaram tempo, por razões económicas. Todavia, na actividade dos bombeiros, foi adoptado relativamente cedo para transportar pessoal e material dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses (BVL), pioneiros do advento da motorização no contexto do serviço de incêndios e do serviço de saúde.


Um fogo ardente visto pela RTP

Pesquisa/Texto: Redacção F&H

No princípio do Outono de 1973, através de imagens a preto e branco, limitada aos factos e sem comentadores em estúdio, chegava aos telespectadores da Radiotelevisão Portuguesa (RTP) a notícia da acção dos bombeiros num incêndio deflagrado na Tapada de Vale de Lobos, próximo de Belas.



Nesse tempo nem se imaginava que, um dia, viria a vigorar o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais.

Não havia, portanto, escalas de Equipas de Combate a Incêndios (ECIN) ou de Equipas de Logística e Apoio ao Combate (ELAC).

Em cada quartel, o toque de sirene era o modo de excelência para mobilizar os bombeiros, respondendo estes na sua máxima força.

Os pedidos de apoio entre corpos de bombeiros vizinhos eram feitos via directa e sem protocolos, quais centros de coordenação operacional.

Foi no quadro de uma realidade totalmente diferente e alheia às gerações de hoje que se deu o incêndio em apreço.

A 29 de Setembro, os bombeiros foram chamados para debelar as chamas que lavravam com intensidade numa zona rural geralmente fustigada na época de Verão. 

Para além da Tapada de Vale de Lobos, outros incêndios de origem duvidosa irromperam por ali perto, atingindo Almargem do Bispo, Almornos, Olela, Sabugo e a Serra da Carregueira.

Os diferentes focos motivaram a deslocação de meios de várias proveniências, designadamente, dos concelhos de Sintra e Oeiras.

As imagens captadas pelas câmeras da televisão pública dão-nos a percepção da dificuldade com que os trabalhos de extinção se desenvolveram, devido à presença de vento forte.

Na sua sinistra passagem, o fogo destruiu extensas áreas de mato, pinhal e eucaliptal, mas as habitações próximas ficaram ilesas.

A frente de incêndio que é apresentada em pormenor na reportagem, inacessível aos veículos, obrigou os bombeiros a percorrerem longas distâncias e a optarem pela técnica de abafamento, com recurso a ramos de árvores e material de sapador. Ou seja, procuraram, a todo o custo, num ataque directo, cortar a progressão das chamas, reservando o emprego de água para situações eventualmente mais críticas que reclamassem maior táctica e protecção.

Convém referir, a propósito, que a generalidade dos pronto-socorros não reunia características de todo-o-terreno, excepto, por exemplo, os ligeiros das marcas Land Rover e GMC, mas cuja autonomia de água era muito relativa, dispondo de depósitos que iam dos 700 aos 1000 litros de capacidade, o que implicava certa economia. Tratavam-se, sobretudo, de viaturas de primeira intervenção, modernas e potencialmente indicadas para situações de fogos nascentes.

A dada altura surgem, no pequeno ecrã, uma Auto-Bomba dos Bombeiros Voluntários de Algés e um Pronto-Socorro de Nevoeiro dos Bombeiros Voluntários do Dafundo.

Para os amantes dos clássicos dos bombeiros, fica a seguinte informação: o primeiro, GMC, de 1948, outrora pertencente ao Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa, compreendia bomba acoplada de grande potência (fluxo de 8000 litros por minuto), quatro saídas de 70 milímetros, monitor e tanque de 4000 litros; o segundo, Dodge W500, de 1968, com cabine dupla de origem e 220 cavalos de potência, transportava 2500 litros de água e 100 litros de espuma de baixa expansão.

Na época não se aplicava a distinção entre veículos florestais e urbanos, pelo que todos serviam e avançavam em quaisquer circunstâncias, mantendo-se a operar estacionados nas rodovias, o que exigia da parte dos bombeiros acrescido esforço no estabelecimento de pesadas mangueiras de lona.

Por último, merecem-nos referência as condições de segurança no teatro de operações, sendo muitas vezes colocada em risco a integridade física dos efectivos e dos próprios populares que se disponibilizavam para apoiar, o que também está bem documentado no vídeo da RTP Arquivos. Apesar disso e da rudimentaridade do equipamento de protecção individual, pois que fardamento florestal contendo dispositivo de resgate por arrastamento (DRD) era algo inconcebível, não ocorriam acidentes com a incidência verificada na actualidade.